Quanto cabe?

Dandara Araújo
2 min readJul 11, 2022

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Não, não tô falando de numeração de roupa. Nem de queijo em balança. Nem de farinha de trigo pra bolo de domingo. E muito menos com piadinhas de duplo sentido pra dizer no jantar e no sexo. Digo, quanto de raiva cabe numa raiva?

Não se fala sobre raiva. Todos nós sentimos, com frequência ou não, raiva de alguma situação ou de alguma circunstância específica. A raiva é momentânea, é impulsiva, é misto de surto de adrenalina com quê de imprudência, é aquele fogo que sobe e depois vai embora com a mesma intensidade que surgiu.

É muito bonito falar sobre amor, sobre bondade, sobre o que faz rir, sobre o que faz sonhar. Não é confortável falar, escrever ou se manifestar artisticamente sobre raiva, sobre ciúme, sobre egoísmo, sobre o que foge do politicamente belo, correto, adequado. Mas é libertador.

Uma coisa que me faz refletir é: o que sobra depois de uma raiva? Depois de uma atitude impensada? Depois daquele grito que liberta e condena a alma? Sobra arrependimento. Sobra cicatriz. Sobra peso na consciência. Sobram destroços. Sobram reflexões sobre intensidade, animosidade. Sobram questionamentos sobre a pessoa que se é, por que falou tanto, por que pesou tanto, por que foi tão agressivo, por que isso e por que aquilo. É o típico “Aí, aí, aí. Minha alma tá doendo.”

Dói no emissor e dói no receptor. Muitas vezes, é fatal, dói e tem consequências pelo resto da vida. Noutras, deixa de doer com um simples gesto de desculpas. Mas pessoalmente falando, não acredito nisso. Comigo, o buraco sempre é mais embaixo. Posso até me considerar do lado racional da coisa e, com propriedade de fala, ainda que seja menos perturbador na comunicação, é, de longe, o mais doloroso. Pior do que a comunicação pode ser a ausência dela. Uma ausência aqui e ali, um grito de socorro ali e acolá.

Mas eu sou suspeita pra falar, tenho raivas impraticáveis. Raivas, ciúmes, egoísmos e pensamentos tantos que nem suporto. Vez ou outra parece que tá tudo no mesmo saco, sabe? Me arredo como quem não quer nem se descobrir. Como quando Clarice disse que se ela fosse ela de verdade, provavelmente estaria presa. That’s so fetch, me identifico.

Mas volto ao meu dilema: quanto de nós cabe nesses nós que a gente não descobre? Não veste? Não é? Não sabe se desata, se tem cheiro, cor, textura e nem qual tamanho!

Com estranho saudosismo por uma resposta que eu nem tenho, talvez um dia me descubra, me teste, me seja, me vista e me responda.

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Dandara Araújo

escrever é o que ressignifica a minha existência. sou tantas que nem sei.